Gazpacho e Caramelo





A) Caramelo


Umha verba galega que eu tinha por italiana é caramelo. Nom o é. O dicionário da Real Academia Española propom a sua procedência, no castelám, desde o 'português'. Tem sentido; na nossa língua caramelo ou carambelo é o seguinte:


Carambelos


O que em castelám se di carámbano; é dizer, um anaco de geo ou laço, quer o formado a modo de tona dum charco ou rio, quer aquel como estalagmite de geo. Polo seu carácter de ser umha lambonada de auga fria, giada, que todos temos posto algumha vez na nossa boca (em geral na forma de 'cubito de hielo'), deveu passar o seu significante a um pedaço vitrificado de zucre, de similar textura. A evoluçom deste significante poderia ser como segue, mediada pola perda do /n/ intervocálico e a reduçom de /l:/ ˃ /l/ e mantendo logo a alternância carambelo / caramelo pola reduçom /mb/ ˃ /m:/ ˃ /m/ (cf. tamém ˂ também ˂ tam bem):
*carambanellu(m) ˃ *carambãelo ˃ carambelo / caramelo


É dizer, caramelo pode ser o diminutivo latino dumha palavra idêntica ao castelám carámbano, mesmo étimo do que suspeito que procede o galego carambo, co mesmo significado. E qual é a orige última deste carámbano? A RAE propom, seguindo Coromines, o latim *CALAMULUS, diminutivo de CALAMUS 'cana'... Possível mais moi improvável. Melhor é seguir a Báscuas (CELTA AMBA ‘AGUA’, CONSERVADO COMO APELATIVO EN GALICIA, em Studi Celtici v. IV: 63-104), quem procede no devandito artículo a um exaustivo estúdio da palavra carámbano, que acha derivada dumha forma caramba, ainda viva em galego co mesmo valor semántico, 'geo, laço' (ibidem: 91). Esta verba, um composto pré-latino, poderia ter originado directamente carambelo / caramelo e outras variantes conhecidas nas línguas peninsulares (como o catalám caramell; com todo, o castelám caramelo deveu de ser tomado do galego ou do português, doutro jeito deveria ser **caramillo).


Esta palavra, caramba, é um composto (na minha opiniom céltico) *kar-amb-ā, literalmente 'auga dura':
PIE *kar 'duro' (IEW: 531-532)
PCl amb- 'auga, rio' ˂ PIE *mbh- 'auga, humidade...' (IEW: 315-316)


Um fermoso composto e umha fermosa etimologia do professor Bascuas (quem tamém considera possível, ainda que menos provável, que o primeiro elemento proceda de *kar- 'pedra'). Passo agora do céltico ou paleo-europeu ao germánico.




B) Gazpacho


Eis um prato que se está a fazer célebre em todo o mundo, a sopa fria de verduras finamente esmiuçadas que eu pensava era de orige andaluz. A sua documentaçom máis antiga desta palavra parece ser a seguinte, de 1539:
Es saludable consejo se provea para un no menester de un ristre de ajos, de un horco de cebollas, de una botija de vinagre, de una alcuza de aceite, y aun de un trapo de sal; porque dado caso que son manjares rústicos y bascosos, no son delicados para se marear ni muy codiciosos para hurtar. Y más y allende desto, ya puede ser que de migas y agua, sal y aceite, haga un tal gazpacho que le sepa mejor que un capón en otro tiempo.” (fray Antonio de Guevara, Arte de Marear, 1539)


Com respeito à sua etimologia, di o dicionário da Real Academia Española que é verba que pode proceder “Quizá del ár. hisp. *gazpáčo, y este del gr. γαζοφυλάκιον, cepillo de la iglesia, por alus. a la diversidad de su contenido, ya que en él se depositaban como limosna monedas, mendrugos y otros objetos”. É umha proposta etimológica que semelha difícil, tanto pola evoluçom do significado como do significante. Tem acaso a verba gazpacho algum cognato que poida nos ajudar a determinar a sua orige? Lea-se o seguinte fragmento de 1779, dumhas copras de Cernadas de Castro:
Meu Antón, no que parolas, en Copras mal cociñadas, facendo mil enversadas, mezcras Allos con Cebolas: deixa-te de ideas tolas, que perdes tempo e traballo, e non sexas mal Vasallo, pois eres do allo, Antón, nin te piques, que si non ai do allo, ai do allo. Non fagas Copras mordentes, que no teu frío gaspallo, ben conocemos ó allo, sin que nos mostres os dentes: son moitos os ingredentes, de que se fai unha ola, e anque na túa Cachola, o allo porreta bote, ben sabes que en cualquer pote ai do allo, ai da cebola; Nunca piques a ninguén, nin fíes de mosca morta, que cualquer na súa horta súa punta de allo ten: revolver caldos non é bem...” (Cernadas de Castro, 1779)


O anterior fragmento amossa, penso, umha clara identidade semántica entre o castelám gazpacho e o galego gaspalho, que aparentemente vem acompanhada coa identidade das formas. Assi, a alternância gazpa- / gaspa- pode explicar-se tal vez no apelido Vázquez, castelanizaçom do galego Vasques, ou em como o galego esquerda deve ter a mesma orige que o castelám izquierda. Por outra banda, ao galego ˂alho˃ /aλo/ corresponde com frequência o castelám ˂ajo˃, cuja pronuncia no passado era similar a pronuncia andaluza de ˂acho˃, equivalente ao galego ˂axo˃, e que derivam geralmente dum étimo -alio-. Sem ter plena certeza, penso que gaspalho e gazpacho podem ter a sua orige num étimo *gaspalio (ou melhor *gaspelio, dado que como havemos ver da-se a alternáncia de formas com /a/ e /e/: gaspalheira / gaspelheiro). Antes de tratar o significado deste significante é preciso examinar a família léxica do nosso gaspalho (sintomaticamente, o castelám gazpacho carece da dita família):


gaspalho:
'Garampallo. Cosa de poco momento que puede encontrarse en un liquido, como un hilo, un palito, una hojita, & en el caldo, leche, &.' (DDD: Rodríguez, 1855)
'Pajita que se encuentra en donde no hace falta o incomoda.' (DDD: Luis Aguirre del Rio, 1858)
'm. 1. (Dum.) porción de comida que tiene la vaca en la boca al rumiar; 2. (Com.) mezcla de cosas diversas que se da al ganado como comida.' (DDD: Constantino, 1985)
's. m. Rama o vara que se pone a las judías, para que repten. Arnoia, Our. Dicen [xas'paλo].' (DDD: FrampasIII, 2001)'


gaspalhar:
'v. Destrozar, deshacer: se queda ún alí durmido, gaspállano no medio.' (DDD: Franco Grande, 1972)


gaspalhada:
'Porcion de gaspallos, ó garampallos.' (DDD: Valladares, 1884)
' [xaspa"´aDa]. Conjunto de hierbecillas, pajas y otros materiales blandos y menudos. Troáns.DEL LAT. GALLEUS.' (DDD: Aníbal Otero, 1949-1977)
'f. (Dum. Com.) mezcla de distintas cosas.' (DDD: Constantino, 1985)


gaspalheira:
's. f. Matorral, campo inculto, lleno de maleza o leña baja de monte.' (DDD: Eládio, 1958-1961)


gaspelheiro:
'adj. (Dum.) terreno que fue arado y permanece lleno de terrones.' (DDD: Constantino, 1985)


Na freguesia de Queijeiro, em Monfero, existe o lugar de Gaspalhedo, cujo topónimo, abundancial de gaspalho, deve ter a mesma semántica que gaspalheira ou gaspelheiro.


A evoluçom semántica, co passo de gaspalho 'garampallo. Cosa de poco momento que puede encontrarse en un liquido, como un hilo, un palito, una hojita', a gaspalho 'caldo com gaspalhos; mistura; bródio' pode considerar-se comum. Por outra banda gaspalho penso que pode ser um substantivo deverbal de gaspalhar 'destroçar, esnaquiçar, partir, rachar', no entanto que gaspalhada, gaspalheira, gaspalhedo som formas colectivas ou abundanciais derivadas deste deverbal, gaspalho 'racha, fragmento vegetal ˃ polpa, puré'.


Se as mais das anteriores formas sugerem um étimo *gaspaliar ˃ *gaspalio, a forma gaspelheiro precisa dum *gaspeliariu(m), derivado de *gaspeliar. Por outra banda, nengumha destas palavras têm, a eu saber, etimologia céltica, latina ou arábica. Isso abre a porta a considerar ga- como o sufixo germánico ga-, cognato do latino co-, e frequente na formaçom de verbos. Deste jeito temos umha forma verbal *speliar/*spaliar que remete a um verbo germánico *speljanan; efectivamente, esta forma é recolhida por Gerhard Köbler (GWB: s.v. *spelljan), quem a reconstrue, co significado split 'partir', desde o anglo-saxom spillan 'destruir, matar, truncar, devastar' (com /e/ ˃ /i/ por metafonia causada por iode, fenómeno normal nas línguas germánicas vivas):
*spelljan, germ.?, sw. V.: nhd. spalten; ne. split (V.); RB.: ae.; E.: s. idg. *spel (2), *pel (9), V., spalten, splittern, reißen, Pokorny 985; W.: ae. spillan, sw. V. (1), zerstören, verstümmeln, verderben, töten; L.: Falk/Torp 511


O anglo-saxom spillan vem acompanhado pola forma gespillan 'destruir, gastar', cognata do galego gaspallar 'destroçar, desfazer' (note-se outra vez que o /e/ de ge- é causado por metafonia). Por outra banda, tanto Gerhard Köbler (GWB: s.v. *spelþjan) como Vladimir Orel (2003: s.v. *spelþjanan) fornecem outra forma etimologicamente relacionada como é *spelþjanan, de onde antigo alto alemám spilden 'gastar', antigo saxom spildian 'matar', anglo-saxom spildan 'matar, destruir', antigo nórdico spilla 'destruir, estropiar'.


Resumo o anterior:
gal. gaspalhar 'destroçar, desfazer, esnaquiçar' ˂ PGmc *gaspeljanan 'idem', de PGmc *speljanan 'idem' (cf. anglo-saxom spillan, gespillan 'destruir, gastar, devastar'). A evoluçom de /e/ ˃ /a/ em sílaba átona é relativamente frequente na evoluçom da onomástica germánica, p. ex. Aldara ˂ Hilduara.


De gaspalhar ˃ gaspalho 'resultado de gaspalhar' = 'polpa, fragmento, racha, anaco, despojo' ( ˃ gaspalho 'comida feita de anacos' / 'puré' / 'bolo alimentício do gado'.)


De gaspalho ˃ gaspalhada (colectivo), gaspalhedo, gaspalheira, gaspelheiro (abundanciais).




C) Gastallo


Seguindo com verbas galegas de etimologia germánica, vou agora com outra que, como a anterior, antes revelam a vida cotiá das comunidades campesinas, que a vida cotiá dos nobres ou dos guerreiros, o que resulta esclarecedor para entendermos aos antepassados germanos que se assentárom na Galécia, e as relaçons que se estabelecérom entre eles e máis os galaicos e romanos (a nossa língua é um condensado da nossa história, e atesoura feitos, tradiçons e relaçons que careçem doutra documentaçom). A verba é gastallo / bastallo, cos seus derivados engastelhar / engastalhar 'atrancar, encaixar', desengastalhar 'desencaixar, desimpedir':


desengastalhar:
'v. a. Quitar las cuñas que aseguraban o engastallaban una cosa.
Sacar el carro de un atasco.' (DDD: Eladio, 1958-1961)



desengastalhar-se:
'v. r. Desencajarse una cosa de otra.
Desatascarse el carro que se había engastallado en un monte o en una CORREDOIRA.' (DDD: Eladio, 1958-1961)



engastalhar / engastelhar:
'Meter y asegurar una pieza en una entalla ó muesca, regularmente por medio de cuñas.' (DDD: Rodríguez, 1863)
'v. r. Encajarse una cosa en otra.
Enterrarse en el lodo o fango.
Atascarse el carro en el monte o en la CORREDOIRA.
Enredarse una cosa en otra de modo que no puedan fácilmente desprenderse: engastallouse entre as silveiras.' (DDD: Eladio, 1958-1961)

'v. 1. (Fea. Mel.), engastellar (Cab. Com.) encajarse una cosa en otra;
2. (Tob.) atrancar;
3. (Sob.) quedar unidos el perro y la perra al fecundarse.' (DDD: Constantino, 1985)



gastalho:
'Presilla de madera ó metal para apretar una pieza cuando se arma ó encola. En p. se pron. igualmente.' (DDD: Rodriguez, 1855)
'El banquillo o meseta de que usan los cesteros para sugetar la paradeira donde adelgazan las vergas.' (DDD: Pintos, 1865)
'Palo con entalla ó muesca para asegurar una pieza cualquiera, ayudándose con una cuña.' (DDD: Cuveiro, 1876)
'm. 1. (Tob. Com. Nov.) palo grueso que tiene varios usos, por ej., para servir de tentemozo del carro, para atar en sentido horizontal al cuello de los cerdos con el fin de que no puedan atravesar las vallas, para suspender el cerdo por las patas traseras después de muerto, etc.;
2. (Com.) cárcel de carpintero;
3. (Cab. Fea.) especie de caballete donde se pone la zueca para hacer su parte interior;' (DDD: Constantino, 1985)



bastalho:
'm. Útil que usa el herrero para moldear metales ( Fondo de Vila). Gastallo en el dicc. es mesita de cestero para sujetar la paradeira, y madera con entalladura para sujetar piezas de carpintería.' (DDD: Elixio Rivas, 1978)


Assi que gastalho, e o seu equivalente acústico bastalho, é um instrumento ou ferramenta cuja funçom é impedir ou entorpecer o movimento dalgo. Del derivam engastalhar 'encaixar, atrancar', e desengastalhar. Todos eles requerem um étimo *gastelio (cf. engastelhar), provável deverbal de um antigo *gastaliare / *gasteliare, adaptaçom dum germánico *gastelljanan, verbo composto com *stelljanan 'manter-se quieto; aquietar' (GWB: s.v. *stelljan; V. Orel 2003: s.v.), do que derivam o antigo saxom stillian 'deter, aquietar', antigo alto alemám stillen 'calmar, apaziguar', anglo saxom stillan 'calmar-se' (de onde inglês still 'calma, quietude') e gestillan 'parar, calmar, deter (algo / alguém)'. Especialmente interessante é esta última verba, quase cognata da nossa palavra gastalho.


Resumo o anterior:
gal. gastalho 'ferramenta ou instrumento para limitar o movemento' ˂ PGmc *gastelljanan 'parar, aquietar, deter', de PGmc *stelljanan 'idem' (cf. anglo-saxom stillan 'parar-se, calmar-se', gestillan 'parar, calmar, deter, aquietar').


De gastalho ˃ engastalhar 'atrancar, encaixar' e desengastalhar.


Nom quero rematar este post sem lembrar outros germanismos do galego que contém esta mesma partícula germánica, ga- ˂ PIE co-:

  • gaspeto 'm. (Sob.) palo que se clava en la pared para colgar cosas.' (DDD: Constantino, 1985), relacionado com espeto, do proto-germánico *speutaz 'espeto, lança'?


  • agasalhar 'acolher, obsequiar, regalar' (cf. anglo-saxom gesellan 'dar, regalar, oferecer, vender'), agasalho 'regalo; agrado', gasalhe 'parceria de gando', o antigo gasalian 'camarada, companheiro, parelha' (cf. antigo alto alemám gisello 'idem', medio alto alemám gesellen 'unir, associar'), derivados do proto-germánico *saljan 'entregar, sacrificar' ou *saljam 'casa, habitáculo'.



Boas festas e feliz ano. As mil primaveras que Cunqueiro pedia para a nossa língua escomeçam agora... trabalhemos por elas.




Comentarios

  1. ¿Es posible que esa forma verbal *speliar/*spaliar que remite a un verbo germánico *speljanan sea el origen del verbo gallego espallar?

    ResponderEliminar
  2. Es una posibilidad interesante, pero me parece mas probable la relación con "palla"... Espallar pudo ser inicialmente ventear el grano para quitar la paja, y luego tomó el sentido de "extender". Un saludo.

    ResponderEliminar
  3. Cossue:
    É sempre grato ler, e apreender com vostede.
    O dicionário da real academia espanhola é umha fonte.
    Algumhas das etimologias confusas que ele porpom, (os dicionaristas proponhem), e outras que dá por desconhecidas, som portas para os galegos percuradores.
    Tam'ém os dicionários portugueses, às vezes, caminham polas mesmas congostras.
    E é que, ao meu ver, ambas identidades, espanhola e portuguesa, constroem-se sobre a negaçom doutra identidade: a galega, a nossa.
    A negaçom da identidade galega, das suas raizes galegas por espanhóis e portugueses, afoga-nos.
    Afoga até o ponto de que os próprios identitários galegos se negam a si mesmos:
    http://koroshiyaitchy.wordpress.com/2009/08/23/galiza-apartheid-ii-autophobia/#comment-86

    Neste campo das etimologias negadas pola espanholidade e lusitanidade tenho escrito isto:
    http://oqueseouveporai.blogspot.com/search?q=debuxo

    Cossue, com licneça: amigo.
    Tenha um feliz ano!

    ResponderEliminar
  4. Um saúdo, amigo O, e moi feliz ano.

    ResponderEliminar
  5. Caro:
    Na Arousa, de onde eu sou, há um prato de comida que foi muito popular chamado gaspacho. Podes ver o prato aqui http://ilhadeorjais.blogspot.com/2009/07/n-54-gaspacho-arousao.html
    Não tem a ver nada com o de Andalucia. Também na Arousa conserva-se vivo o termo do que tu falas, ghaspalhada, para a cama dos animais.
    Como sempre, o teu blogue fenomenal.

    ResponderEliminar
  6. Umha aperta (hei provar a fazer o gaspacho :-)

    ResponderEliminar

Publicar un comentario

Deixe o seu comentario:

O máis visto no último mes